Aval internacional para crescer no ano das cooperativas
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, explica a importância da celebração para o modelo de negócios dentro e fora do Brasil
Pela segunda vez na história, a Organização das Nações Unidas (ONU) dedicou um ano inteiro (2025) à celebração do cooperativismo. O modelo de negócios é reconhecido novamente reconhecido — nos 193 países-membro deste fórum global— por sua capacidade de impulsionar um futuro mais sustentável e inclusivo para todos. Nesse sentido, é como se houvesse um aval internacional para crescer no ano das cooperativas.
Em 2012, o primeiro Ano Internacional das Cooperativas foi um sucesso e evidenciou o papel crucial dessas empresas na superação da crise financeira global de 2008. Agora, a ONU destaca a contribuição estratégica do cooperativismo para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ou seja, a agenda global composta por 17 metas capazes de promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental do planeta até 2030.
Ano das cooperativas
Para aprofundar o entendimento das cooperativas mineiras sobre a importância desta nova homenagem da ONU, a Cooperação em Revista realizou uma entrevista exclusiva com uma das principais referências brasileiras do cooperativismo. Portanto, com Roberto Rodrigues, embaixador para o coop da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Com uma carreira marcada por três vertentes principais — acadêmica, agrícola e cooperativista —, Rodrigues analisa os desafios e oportunidades do setor no Brasil e no mundo. Além disso, destaca a importância do cooperativismo no combate à exclusão social e na construção de sociedades mais justas e resilientes.
A seguir, confira as respostas do ex-ministro para a publicação.
Cooperativas pela paz
A ONU tem, entre as suas principais responsabilidades, a missão de garantir a paz universal. Promovendo, assim, a estabilidade entre as nações e o bem-estar dos povos. Entretanto, um dos maiores inimigos da paz é a exclusão social.
Milhões de homens e mulheres vivem à margem da sociedade, sem acesso a oportunidades básicas. Como, por exemplo, educação, saúde, moradia e trabalho digno. Sem perspectivas para si mesmos e para o futuro de seus filhos e netos, esses indivíduos acabam se tornando uma ameaça não apenas para a estabilidade de seus países de origem. Mas, também, para o equilíbrio global.
Ademais, exclusão social gera insatisfação, fomenta revoltas e pode levar ao colapso de sistemas políticos, econômicos e institucionais. Nesse contexto, o cooperativismo surge como uma ferramenta poderosa para reduzir desigualdades e promover a inclusão.
Democracia e crescimento
As cooperativas são aliadas perfeitas de governos verdadeiramente democráticos. E, ainda, de instituições multilaterais comprometidas com um crescimento econômico mais justo e equilibrado.
Primeiramente, o modelo cooperativista fortalece sociedades ao gerar empregos e estimular economias locais. E, ainda, ao garantir segurança alimentar e fomentar a educação financeira e a capacitação profissional. Além disso, tem um papel crucial na preservação do meio ambiente. Pois muitas cooperativas atuam diretamente na produção sustentável e na gestão responsável de recursos naturais.
Diante desse cenário, parece evidente que a ONU reconheça a relevância do cooperativismo como um agente transformador para sociedades mais harmônicas e resilientes. Ao dar às cooperativas o devido reconhecimento e apoio, a entidade fortalece sua própria missão de garantir a paz universal. Afinal, entende que não há estabilidade duradoura sem inclusão social, justiça econômica e oportunidades iguais para todos.
Oportunidade de expansão
Ao declarar 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas, de antemão, a ONU confere um reconhecimento valioso ao nosso modelo de negócios. Reafirmando a importância do cooperativismo como um motor essencial para o desenvolvimento sustentável, inclusivo e justo.
A princípio, este “aval” global representa uma oportunidade única para ampliar o alcance da doutrina cooperativista. Assim, levando informações corretas e bem fundamentadas sobre seus benefícios a diferentes povos e culturas ao redor do mundo.
Nesse sentido, é fundamental que as cooperativas e suas entidades representativas em todos os níveis — sejam elas locais, regionais, nacionais ou internacionais, como a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) — aproveitem esta celebração para organizar eventos educativos. Além de promover campanhas de conscientização e criar fóruns de debate.
Em suma, o objetivo deve ser não apenas atrair novos membros, mas também consolidar o papel das cooperativas como agentes transformadores das sociedades. Se essa oportunidade for bem aproveitada, poderemos assistir a um crescimento significativo do movimento cooperativista nos quatro cantos do mundo. Englobando cada vez mais cidadãos, independentemente de sua raça, religião ou ideologia política. Afinal, o cooperativismo é, por essência, inclusivo, democrático e voltado para o bem comum.
Relacionamento com a imprensa
Antes de mais nada, os comunicadores e jornalistas precisam conhecer a fundo a essência das cooperativas. Diferenciando-as de outros tipos de empresas e abordando suas ações de maneira justa e contextualizada.
Quando a mídia compreende e divulga corretamente o cooperativismo, ela contribui, sobretudo, para que mais pessoas o valorizem e participem ativamente desse modelo.
Cultura cooperativista
Entre 1993 e 1995, a ACI desenvolveu uma intensa pesquisa ao redor do mundo para discutir quais desafios teria de vencer face a um esvaziamento mundial das cooperativas frente à globalização da economia. Do mesmo modo, que ia moendo valores da solidariedade e da ajuda mútua, promovendo uma terrível exclusão social.
Fui a reuniões exaustivas em todos os continentes para buscar respostas a essa questão. Foi em uma reunião em Bogotá, na Colômbia, que se deu a luz. Isto é, um quase centenário líder cooperativista colombiano, em meio a uma interminável discussão, pediu a palavra. E disse, solenemente, que era preciso cuidar somente da educação cooperativista.
Em primeiro lugar, ele pedia isso para que os cooperados entendessem que a cooperativa era a extensão, no coletivo, do que não podiam fazer sozinhos. Portanto, eram os “donos” da cooperativa e tinham que cuidar dela como cuidavam da sua propriedade. Eu acredito nisso também: na importância de fortalecer a cultura cooperativista para fortalecer todo o cooperativismo.
Sustentabilidade
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão profundamente entrelaçados com a essência do cooperativismo. Assim como o conceito emergente do ESG [meio ambiente, responsabilidade social e governança]. Antecipadamente, esses princípios não são apenas compatíveis com o cooperativismo. Eles fazem parte do nosso DNA, estando presentes em nossa estrutura e em nosso propósito.
Desde a origem, especialmente, as cooperativas promovem um modelo de desenvolvimento econômico que prioriza não apenas o lucro. Mas, também, o bem-estar coletivo, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.
Finanças responsáveis
As cooperativas fortalecem comunidades, promovem a distribuição justa da riqueza e criam um ambiente econômico mais resiliente e sustentável. Dessa forma, são a face humana da economia, onde o desenvolvimento não acontece às custas do meio ambiente ou da dignidade das pessoas. Mas, sim, em conjunto com a preservação dos recursos e o fortalecimento do tecido social.
“Cavaleiros do apocalipse”
Está cada dia mais claro que o mundo padece de falta de lideranças que estabeleçam rumos e direção para o desenvolvimento equilibrado dos povos. Em outras palavras, guerras em diversas regiões do globo criam uma instabilidade com consequências inimagináveis para os povos.
Essa situação leva o mundo a conviver com quatro modernos “cavaleiros do apocalipse” que cavalgam por continentes e oceanos, colapsando a paz. Acima de tudo, são eles: a insegurança alimentar, a transição energética, as mudanças climáticas e a desigualdade social (fruto da má distribuição da renda).
Em síntese, é preciso eliminar esses fantasmas da face da terra. E estou convencido de que o agro tropical do planeta é capaz de contribuir decisivamente para isso. América Latina, África e Ásia ainda têm vastos territórios a serem incorporados aos sistemas produtivos com tecnologia tropical sustentável. Como resultado, o Brasil tem um aparato tecnológico nesta temática que pode ser replicado no cinturão tropical da terra para benefício de toda a Humanidade.
Em contrapartida, isso exige uma estratégia público/privada que nos permita assumir este protagonismo fundamental para o futuro da vida.
Motor de transformação
Quando um país investe no cooperativismo, definitivamente, ele investe na construção de uma sociedade mais equitativa e participativa. Quanto mais cooperativas existem, maior é o grau de organização do povo, mais democrática se torna a nação e mais alinhada ela estará com os ODS.
Afinal, as cooperativas não apenas praticam os princípios de sustentabilidade e responsabilidade social. Elas os vivenciam e os disseminam, tornando-se verdadeiros motores de transformação para um mundo mais justo, equilibrado e sustentável.
Desafio e solução
Sem dúvida, a chave para o fortalecimento do cooperativismo é a educação! Logo, educação para os dirigentes eleitos, para compreenderem plenamente que sua função é representar os cooperados com responsabilidade, ética e total compromisso. Isso com os princípios cooperativistas, sendo fiéis ao propósito coletivo e não a interesses individuais ou externos.
Antes de tudo, educação para os funcionários de todos os níveis, para que internalizem a missão da cooperativa. Compreendendo, principalmente, que seu papel é servir aos cooperados, garantindo eficiência, transparência e qualidade nos serviços prestados. Sem a busca desenfreada pelo lucro, mas sim pelo benefício mútuo e sustentável.
Educação para a sociedade
Em suma, educação para a sociedade como um todo, para perceber que as cooperativas são empresas, sim, mas com uma diferença essencial. Elas operam baseadas em valores como solidariedade, participação democrática, autonomia e compromisso com a comunidade.
É essencial, por fim, que cada cidadão entenda essa distinção e reconheça a importância das cooperativas no desenvolvimento econômico e social, promovendo um sistema mais justo e inclusivo. Educação, educação, educação! Eis o grande desafio e, ao mesmo tempo, a solução para que o cooperativismo se fortaleça. E, em conclusão, amplie sua influência e continue promovendo desenvolvimento sustentável e justiça social.
Crédito foto: Reprodução/Cooperação em Revista