O que o agro brasileiro tem a ver ou a ganhar com a Copa do Mundo no Catar?  

O que o agro brasileiro tem a ver ou a ganhar com a Copa do Mundo no Catar?  

Hub do Café entrevistou Roberto Rodrigues sobre o tema. Confira!

8 minutos de leitura

Em novembro de 2022, acontece a Copa do Mundo, no Catar, evento que mobiliza todo o planeta. Mas, ainda é preciso lembrar que a pandemia e a guerra no leste europeu trouxeram ainda mais preocupação para as relações comerciais, além de elevarem a tensão, principalmente, devido a dois fatores: a alta geral dos preços e a crescente insegurança alimentar, que já prejudicam, de acordo com a ONU, quase 10% da população mundial.

No Brasil, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, esse número é ainda mais preocupante, sobretudo, porque mais da metade da população (58,7%) convive com algum grau de insegurança. E, a esse cenário, somam-se 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome no período de um ano.

Por este motivo, o agronegócio tem, além de gerar renda, a responsabilidade social de se tornar ainda mais sustentável, integrado e tecnológico, assumindo o protagonismo nas questões em torno do tema, como define o engenheiro agrônomo e uma das principais lideranças cooperativistas do Brasil, Roberto Rodrigues. Ele recebeu o Hub do Café para comentar desta e de outras questões interligadas pelo comércio exterior com foco, especialmente, na Copa do Mundo.

Roberto Rodrigues (Crédito: Roosewelt Pinheiro/ABr)

Hub do Café: Em diferentes ocasiões o senhor disse que as empresas e o agronegócio brasileiro poderiam se beneficiar com a Copa do Mundo do Catar, que acontece em novembro. Como seria isso?

RR: Eu escrevi dois artigos sobre o tema para dizer o seguinte: a Copa do Mundo tem bilhões de espectadores em todo o mundo, são bilhões! E é um momento importante para mostrarmos as características positivas. São anunciantes poderosos que aparecem, como a Coca-Cola e os gigantes dos automóveis, por exemplo. E eu penso que o Brasil poderia participar, também, mostrando o seu agro como o café, o churrasco, a carne, as frutas. E, assim, divulgasse ao mundo tudo o que temos de bom. Eu sugeri que as entidades se juntassem com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações) e criassem um grande projeto. Isso custa muito caro, eu sei, mas se juntasse todo mundo ia ser mais fácil. Porém, as entidades não se mobilizaram e não se motivaram para fazer uma grande propaganda do Brasil para o mundo inteiro.

Copa do Mundo em 2022 acontece no Catar

 Hub do Café: Nas suas palavras não houve interesse, mas caso houvesse, o tempo hábil não seria relativamente curto para criar uma campanha global mostrando as potencialidades brasileiras?

RR: Em primeiro lugar, as entidades não se entusiasmaram com a ideia. Agora está tarde, pois, há 3 meses estou falando sobre isso e ninguém me ouve. Imagino que a Apex Brasil deveria ter feito um esforço grande e eu nem sei se ainda tem vaga para divulgar as marcas e fazer propaganda nossa durante a Copa do Mundo. Ouvi da Apex que custa caro, e é difícil fazer isso. E, dessa vez, infelizmente, nós ficamos para trás. 

Hub do Café: O cenário externo com os reflexos da pandemia, a guerra, a alta de juros, além da insegurança alimentar, não tem feito os países reavaliarem as suas prioridades? E isso pode ter influenciado num recuo de investimentos?

RR: Ao contrário. O que acontece no mundo – com a inflação dos alimentos e essa sensação de aumento de fome e com a escassez de comida – era mais uma razão para o Brasil mostrar a sua condição de grande produtor, não é? Definitivamente, isso poderia ajudar a acabar com a inflação e garantir a segurança alimentar para o mundo. Falar sobre alimentos motiva todo o mundo. E esse é um papel que o Brasil pode jogar, então acho que falar sobre alimentos é sempre algo que motiva todo mundo. Atualmente, a fome impacta mais de 800 milhões de pessoas no mundo inteiro. E era um momento pertinente para o Brasil falar sobre este assunto. 

Hub do Café: Falando especificamente da guerra no leste europeu, que ainda não dá sinais de que está arrefecendo. De que forma isso impacta no Brasil, pensando não só no fornecimento de insumos, que foi se regularizando ao longo dos meses, como também do ponto de vista das relações comerciais?

RR: A verdade é que a pandemia é o grande problema e a guerra só potencializou isso. Nesse sentido, a pandemia da COVID-19 teve uma cadeia de eventos dramáticos sendo que, obviamente, o maior de todos foi a morte de milhões de pessoas no mundo todo. Mas, do ponto de vista da economia os países consumidores, e que não são autossuficientes, como a China, a Índia, países asiáticos e alguns europeus, imediatamente se preocuparam com a própria segurança alimentar dos seus cidadãos. Todavia, por que isso é importante? Porque a insegurança alimentar não é uma expressão idiomática, ela é uma questão muito mais séria do que uma mera expressão.

Segurança Alimentar é um ponto de atenção, aponta Rodrigues

O que aconteceu no Sri Lanka é a prova mais recente do que estou falando. Por lá o governo decidiu que não iria mais permitir o uso de defensivos e seriam vendidos, apenas, alimentos orgânicos. Assim, a safra caiu pela metade. Não é que o preço subiu, não havia comida para alimentar o povo, que se levantou e conseguiu derrubar o presidente. Então, a segurança alimentar é a única condição de estabilidade social e política de um país! Um povo com fome derruba o governo!

Livro

Tenho um livro que se chama “Agro é Paz”, e mostra que não há paz onde houver fome. Em outras palavras, o que aconteceu com a pandemia foi que todo mundo correu atrás de comida com medo, exatamente, da falta dela. E o que aconteceu? Checaram os estoques globais e verificaram que eles eram baixos porque a safra tinha sido ruim nos anos anteriores. E, desta forma, com estoques em baixa e demanda em alta, os preços dobraram de valor em dólar na cotação da bolsa de valores de Chicago.

Imediatamente, governos e vários produtores decidiram plantar mais para aproveitar o bom preço. Mas, para isso, seria preciso mais crédito, mais adubo, mais máquinas, mais implementos, mais gente, e acontece que a pandemia rompeu muitas cadeias de produção. Milhares de empresas fecharam ou reduziram a atividade, inclusive as que fabricavam componentes ou equipamentos agrícolas. Faltou componente e os preços também dobraram. Com isso, além do problema causal, teve ainda a sacanagem de gente que se aproveitou do momento, cobrando mais alto. Isso tudo é pandemia, nada tem a ver com a guerra.

Mas, soma-se a esse problema da pandemia outros fatos como, por exemplo, a Bielo Rússia, que fornece 18% do potássio para o mundo. Ela recebeu um embargo devido à Rússia, e não conseguia mais vender para ninguém.

Conflito entre Rússia e Ucrânia impactou fertilizantes

Com a guerra, dois problemas adicionais surgiram. Um deles, que a Ucrânia parou de fornecer insumos. Logo, a Rússia também parou de fornecer e houve restrição à importação de fertilizantes. Então, aqui no Brasil, o Ministério da Agricultura e a ministra (à época) Tereza Cristina se mobilizaram para conseguir os fertilizantes.

Em suma, conseguiram, mas pagaram muito mais caro pelo produto, que subiu por fatores reais e também por especulação. Fato é que o governo brasileiro conseguiu e resolveu o problema de abastecimento. Portanto, nosso problema não é fertilizante, é preço. 

HUB do Café: Recentemente, os EUA emitiram uma licença autorizando transações com a Rússia relacionadas a fertilizantes. Como você analisa esse movimento? Poderíamos ter impactos aqui em relação às commodities?

RR: Tudo é mercado, não é? Nós estávamos numa transição, da economia tradicional para a economia verde. Desse modo, eu digo brincando que nós estávamos no meio da ponte quando a “bomba da pandemia” derrubou o pilar e nós ficamos meio parados em cima da ponte. Pois bem, aconteceu que países europeus e os EUA admitiram que áreas de pousio (áreas de reserva) fossem usadas para a agricultura. Impressionante!

Portanto, a necessidade obriga e o meio ambiente perde o relevo que tinha antes da pandemia e da guerra. E isso acontece, ao passo que aumenta a preocupação com a insegurança alimentar. Tem a ver, ainda, com a estabilidade política e social do mundo. Então, indiscutivelmente, esse é um processo que acontece de todos os lados. Nós precisamos correr atrás de acordos comerciais, faz 3 anos que o acordo da UE com o Mercosul está parado. Precisamos, acima de tudo, de acordos comerciais que gerem mercado para o Brasil, senão aumenta a produção e vamos vender para quem? 

Hub do Café: Ainda de acordo com o que o senhor falou, o Brasil vem de uma sequência de recordes na produção agrícola. Isso teria condição de se manter, pensando, inclusive, na falta de novas negociações comerciais?

RR: Não há dúvidas de que o crescimento da agricultura vai se dar no cinturão tropical do planeta, onde tem a América Latina, a África subsaariana e os países asiáticos. Essa área, definitivamente, vai ser o grande alimentador do mundo, e quem lidera isso, sem sombra de dúvidas, é o Brasil.

Brasil tem grande responsabilidade em relação à alimentação mundial

Então, o que vai acontecer nos próximos anos é que países como a China, Filipinas, Indonésia, Tailândia e a Índia vão investir plantando em outras áreas. E, para isso, precisamos ter planos de safra muito mais vigorosos, pensando em mais recursos e seguros de safra para o produtor rural. Não podemos ter um plano de safra pensando em condições normais pois, similarmente, o mundo não está normal e vive uma guerra. E também precisamos fazer novos acordos comerciais para que o Brasil tenha escoamento dessa produção.

Crescemos nos últimos 30 anos por quê? Porque, em síntese, investimos em tecnologia, tínhamos gente e terra para plantar. Mas, o mercado cresceu no mundo inteiro. Precisamos fazer acordos rápidos para que não tenhamos que jogar café ao mar, usando a força de expressão, claro (Risos). 

Hub do Café: Para finalizarmos, não há como falar em agro, sem citar a cultura cafeeira. Como o senhor analisa o mercado em termos de avanços e limitações, e que é uma importante vitrine do Brasil para o mundo?

RR: Não tem como falar em Brasil sem pensar no café. Portanto, café é a marca registrada do Brasil. Café é prazer, não é alimento, nem bebida, e vender prazer é a coisa mais tranquila do mundo. A tecnologia desenvolvida aqui é maravilhosa, temos ótimas práticas, mas nosso problema é agregar valor. Somos, desse modo, mais de 1/3 do café em grão do mundo inteiro, mas somos uma parcela pequena do café torrado e moído.

Temos que conseguir, junto à OMC, que essa escalada tarifária seja mitigada e possa agregar valor. Em suma, eu não quero vender o grão de milho, eu quero vender o frango e o porco com o milho embutido lá dentro, eu quero vender o queijo com o leite embutido lá dentro. Logo, com o café, também precisamos tratar de agregar valor.

A Cooxupé, por exemplo, é a maior locomotiva de café do mundo, é algo extraordinário. Eu estou com 80 anos e conheço essa história desde o comecinho. Conheci o Isaac Ferreira Leite (fundador da Cooxupé) e tenho uma grande admiração pela cooperativa.

Sobretudo, tenho admiração pelo que ela faz com liderança sólida, e pelo que faz pelo seu cooperado. Porém, ainda é uma parcela pequena do que fazemos, e precisamos abrir mercados com valor agregado.

Antes de mais nada, a Cooxupé está no caminho. Ela é um farol não apenas para a cafeicultura, mas para toda a agropecuária brasileira, pois é um modelo de integração que agrega valor em defesa do pequeno produtor, e isso é espetacular! Logo, eu tenho o maior carinho por esta cooperativa.


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