Atuar no mercado internacional nunca foi para amadores. Entrementes, está ficando difícil até para setores altamente profissionalizados. Desde já, multiplicam-se as exigências de sustentabilidade para atuar no mercado. Que começaram com as questões ambientais e que avançam também no terreno social e da governança. No caso do agronegócio, por exemplo, para ter um empreendimento bem sucedido, não basta produzir. De antemão, cada vez mais tem que ser sustentável e atender às regras impostas por países compradores, que estão moldando o mercado com suas exigências. Nesse sentido, vem um questionamento: a Europa moldará o comércio internacional?
Comércio internacional
Inicialmente, vamos usar como exemplo algumas regras, normas ou leis que estão sendo colocadas pela União Europeia. E que se constituem em verdadeiros desafios para agentes das cadeias de qualquer setor da economia, inclusive o agronegócio.
Embora sejam exaradas pelas autoridades da União Europeia, as exigências afetarão quem produz ou opera no mercado de exportação de comodities. Podendo, no futuro, transformarem-se em padrões para as relações entre os demais blocos e países.
Deforestation-free Regulation
A princípio, a lei aprovada pela União Europeia em junho de 2023, e que entra em vigor no final de 2024, está sendo conhecida pela sigla EUDR. Sobretudo, ela impõe ausência de desmatamento, degradação da vegetação. Além de violação de alguns princípios de direitos humanos e boa governança. Isso em qualquer etapa da cadeia de produção, com retroatividade a dezembro de 2020.
Dessa forma, os setores inicialmente atingidos são soja, café, cacau, carne, madeira, óleo de palma, borracha e seus derivados como couro. E, ainda, chocolate, pneus, móveis, papel e celulose, entre outros. Há expectativa de que outros setores sejam adicionados no médio prazo.
Aplicação
Acima de tudo, a aplicação da regulação europeia nas suas importações não exime a cadeia produtiva de cumprir a legislação do país de origem do produto. Embora apenas esta observância não seja suficiente. Para tanto, pois, a lei impõe coleta de informações, que incluiu rastreamento, geolocalização, análise de risco e auditoria.
Do mesmo modo, a análise de risco envolve a ocorrência de desmatamento ou degradação da vegetação. Além do impacto negativo sobre povos indígenas, o nível de percepção da corrupção, entre outros.
Se a avaliação de risco resultar em classificação “não negligenciável”, portanto, haverá necessidade de explicitação dos mecanismos de mitigação dos riscos elencados. E, ainda, as políticas de compliance e a submissão a auditorias independentes.
Consequências imprevisíveis
Antes de mais nada, a intenção da lei pode até ser louvável. Entretanto, as consequências de sua entrada em vigor são imprevisíveis, porque os detalhes operacionais para sua aplicação ainda são muito confusos.
Consequentemente, analistas chamam a atenção que sobrevirá uma enorme burocracia e imposição de custos apreciáveis. Que, fatalmente, serão incorporados ao preço dos produtos, encarecendo os alimentos.
Esse fato, inclusive, tem gerado muitas críticas e oposição de diversos setores, dentro da própria União Europeia. Isso apesar de a lei apontar para a imposição de barreiras comerciais a países que exportam para a Europa, como é o caso do Brasil.
Agricultor brasileiro
O agricultor brasileiro, em primeiro lugar, tem plenas condições de atender a essa normativa. Apesar de ela desconsiderar a nossa severa legislação florestal, vez que mesmo o desmatamento legal (pela lei brasileira) será ilegal perante a legislação europeia. Lembrando sempre, desde já, que o Brasil preserva mais de 60% das nossas matas nativas – mas isto não tem qualquer importância perante a normativa.
Em outras palavras, para atender à nova legislação, o crescimento da produção agrícola brasileira deverá ocorrer com o agricultor valendo-se de aumentos sustentáveis de produtividade. Ademais, da utilização da mesma área para duas ou três safras, reincorporação de áreas degradadas. Além de aproveitamento de áreas liberadas de pastagens, integração lavoura-pecuária, entre outros meios que não impliquem em desmatamento.
Imposto do carbono
Trata-se, finalmente, de um imposto para quantificar e precificar as emissões dos produtos que são importados pelos países membros da UE. Está sendo conhecido pela sigla CBAM (Carbon Border Adjustement Mechanism).
A primeira fase, chamada de transitória, começou em outubro de 2023 e vai até o final de 2025. Ou seja, durante esse período, as empresas terão que informar as emissões embutidas em suas importações sujeitas ao mecanismo. Sem, no entanto, pagar contrapartida financeira.
Logo, o objetivo é ajustar a metodologia de cobrança, que passará a vigorar a partir de 2026. Isso quando os importadores precisarão declarar, anualmente, a quantidade de bens importados para a UE no ano anterior. E as emissões incorporadas.
Pagamento das emissões
Em suma, o pagamento das emissões incorridas na fabricação do produto será efetuado em certificados CBAM. Que terão, pois, o preço calculado a partir do valor das licenças do mercado de carbono europeu. Como resultado, expressos em euros por tonelada de gás carbônico equivalente.
O CBAM, enfim, será aplicado inicialmente às importações de alguns produtos. Cuja produção é intensiva em carbono e com risco mais significativo de vazamento de carbono. Como, por exemplo, cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio.
Entretanto, está prevista uma revisão do funcionamento do CBAM durante sua fase transitória. Ou seja, com a possibilidade de ampliar o escopo de produtos antes de sua entrada em vigor definitiva, em 2026.
Nessa primeira fase, em síntese, o agricultor pode ser afetado por perturbações no mercado de fertilizantes. Os analistas ainda discutem quais seriam os impactos efetivos nas cadeias de produção, na Europa ou entre outros países.
Ademais, como o CBAM afetaria a produção, a disponibilidade e o preço de fertilizantes e como isso afetaria o cumprimento das metas de emissões de cada país. Por fim, esses impactos ainda não estão claros, não sendo possível, no momento, antecipar as mudanças que advirão. E o custo para o agronegócio brasileiro.
Regulação de Due Diligence de Sustentabilidade
Conhecido pela sigla em inglês CS3D, ainda se encontra em discussão na União Europeia. Todavia, as informações dão conta de que seriam afetadas as empresas com faturamento acima de 150 milhões de euros.
Porém, que atingiria empresas com faturamento de 40 milhões de euros, se metade do faturamento vier de setores de alto risco. Como, por exemplo, cadeia têxtil, agricultura, floresta, pesca. Além de alimentos, bebidas, extração e manufatura de minerais metálicos e não metálicos (gás, petróleo, aço, material de construção, químicos e outros produtos intermediários).
Desse modo, as regras ainda não estão definidas. Mesmo assim, antecipa-se que elas abrangerão due diligence sobre fatores como biodiversidade, clima, água. Além de direitos humanos, relações trabalhistas e similares.
Caso sejam identificadas não conformidades ou impactos negativos sobre aspectos ambientais ou sociais, assim, a legislação exigirá que a empresa defina planos concretos para correção. E, nesse sentido, será responsabilizada pelas consequências até a solução final do problema.
Aspectos importantes
Simultaneamente, as informações disponíveis dão conta de alguns aspectos muito importantes que deverão estar contidos na futura regulamentação. São elas:
a) Em primeiro lugar, as empresas deverão dispor de canais de reclamação. E as comunidades terão cinco anos após a comprovação de impactos negativos para reclamarem compensações na Justiça;
b) Em seguida, as empresas deverão adotar um plano para adequar-se à meta de aquecimento global de 1,5ºC. O que inclui a redução de emissões;
c) Há previsões, pois, de diversas penalidades pelo descumprimento da legislação. Que podem atingir até 5% do faturamento bruto da empresa. Sendo assim, as penalidades públicas e amplamente divulgadas.
As cadeias do agronegócio, especialmente as que operam diretamente no mercado internacional, necessitarão efetuar profundos ajustes. Isso para manter seus mercados na União Europeia.
Por último, prevê-se aumento de custos, maior complexidade na gestão corporativa. E, por fim, muitas dificuldades para atender a burocracia que comprove o atendimento das novas imposições comerciais.