Inteligência artificial ajuda na seleção de grãos de café  

Inteligência artificial ajuda na seleção de grãos de café  

Método permite separar cafés especiais dos tradicionais antes da torra

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O processo de seleção de grãos de café especiais exige, antes de tudo, três tipos de verificação. Sendo que, a princípio, há duas etapas físicas, em amostras de café cru e torrado, e a última, sensorial, obtida pela degustação da bebida.

Todas essas etapas são necessárias, sobretudo, para a obtenção do certificado da Speciality Coffee Association of America (SCAA). De acordo com os preceitos da SCAA, a qualidade do café é quantificada, principalmente, por meio de uma escala decimal de 0 a 100 pontos.

E apenas os cafés especiais recebem pontuação acima de 80 pontos. Nesse contexto, a cada lote o produtor separa amostras do grão ainda não torrado e, então, envia para três avaliadores. Esses profissionais, na sequência, torram o grão, fazem a bebida (com técnicas padronizadas pela SCAA) e, por fim, emitem laudos.

Mas, de acordo com a Revista Fapesp, um grupo formado por cientistas brasileiros criou um método que pode mudar por completo essa seleção e ainda evitar falhas na avaliação. 

Inteligência Artificial 

Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambos da Universidade de São Paulo (USP), juntamente com cientistas do Centro de Computação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), desenvolveram um método para seleção de grãos com base no uso de imagens multiespectrais e modelos analíticos.

De acordo com Winston Pinheiro Claro Gomes, doutorando no Cena-USP e primeiro autor do estudo, o processo, por sua vez, evita possíveis falhas humanas na avaliação, ainda que dependa de equipamentos caros. “No caso de cafés especiais, muitas vezes se colhe fruto a fruto. Então, só são retirados os frutos cereja. Mas, se o produtor de café especial colhe os frutos verdes, ou usa em algum momento colheita plena [manual e/ou mecanizada], essa prática pode resultar em um café tradicional”, diz.

Já o novo método, antes de tudo, dispensa a torra e pode ser realizado em tempo real durante o processo produtivo. E, semelhantemente, Gomes comenta como é feita a pontuação desse café. “Em nosso método, separamos o grão considerado especial do tradicional por uma metodologia que acopla imagem multiespectral a algoritmos, que processam os dados fornecidos pelas imagens”. 

Entretanto, o diferencial se dá na seleção de cafés melhores. “Um café especial vai de 80 a 100 pontos. E nosso modelo não consegue dizer, dessa forma, se o grão é um escore 80 ou 90. Seria preciso ter as amostras de cada uma das pontuações para especificar essas categorias para o modelo matemático e viabilizar o aprendizado da máquina”, explica. 

Metodologia

A equipe utilizou a técnica de imagem multiespectral (MSI) baseada em reflectância e autofluorescência. O método, primordialmente, envolve a captura de um conjunto de imagens da mesma região espacial em diferentes comprimentos de onda. Posteriormente, os pesquisadores empregaram um modelo analítico para classificar os grãos de acordo com as informações obtidas por meio das imagens, como explica Gomes. 

“A adoção da técnica de MSI é muito recente na indústria cafeeira, sendo mais comum para mapeamento de nitrogênio em cafezais, detecção de necrose em grãos ou de pragas e doenças durante o cultivo, como demonstra a literatura a respeito”, diz.

Amostras de cafés especiais

Nesse sentido, o estudo utilizou 16 amostras de grãos de café verdes, especiais e tradicionais, dos estados de Minas Gerais e de São Paulo. O trabalho avaliou, ainda, dez amostras de grãos especiais da safra 2016/17, obtidas na Região da Alta Mogiana e avaliadas no concurso Qualidade do Café Alta Mogiana em 2017. 

E, por fim, as seis amostras restantes foram retiradas de cafés tradicionais adquiridos a granel em um mercado local. Assim, para cada amostra, 64 grãos foram separados aleatoriamente, sem tratamento prévio, totalizando 1.024 grãos (384 tradicionais e 640 especiais). Nesse caso, essas amostras foram usadas para calibração, validação e teste do modelo analítico

“Colocamos os grãos na placa de Petri e inserimos no equipamento em forma de esfera contendo LEDs, filtros ópticos e uma câmera, que desce sobre as amostras, cobrindo-as inteiramente, e realiza a captura das imagens após iluminação homogênea e difusa em diferentes comprimentos de onda. Primeiro, houve a captura de imagens de reflexão monocromática [reflectância]”, conta.

Na sequência, imagens de autofluorescência foram captadas. “Então, extraímos as informações referentes às regiões de interesse no software do equipamento, que foram utilizadas para a construção dos modelos matemáticos que classificaram as amostras e nos forneceram o resultado”, explica Gomes.

Posteriormente, os técnicos realizaram uma análise de componentes principais (PCA) para investigar as variáveis que influenciam a diferenciação entre cafés especiais e tradicionais. E, então, houve a aplicação de quatro diferentes algoritmos.

O que se mostrou mais indicado (conhecido como máquina de vetores de suporte) foi utilizado para calcular os coeficientes para avaliação das variáveis mais importantes.

Fluorescência

Nas imagens RGB que, sobretudo, é a faixa visível ao olho humano, notou-se que os grãos especiais apresentaram maior uniformidade do que os grãos tradicionais. Por outro lado, na classe de café tradicional, as imagens de autofluorescência revelaram maior intensidade.

“O que o nosso modelo matemático utiliza de informações é a intensidade de sinal relativo às imagens fluorescentes. Pode acontecer que determinado composto presente no grão seja mais excitado em um comprimento de onda específico. Um sinal de fluorescência mais ou menos intenso pode estar relacionado, por exemplo, à variação da concentração de um composto no grão”, afirma Gomes.

O modelo que os pesquisadores escolheram foi o que mostrou melhor desempenho para discriminar os grãos de cafés em especiais e tradicionais. E, como resultado, a revista Computers and Electronics in Agriculture publicou o artigo científico.

Análise complementar 

Nesse modelo, contudo, as informações mais importantes para construção das fronteiras de separação foram as de fluorescência verde. Então, foi necessário analisar, separadamente, os compostos.

A fluorescência verde, um marcador biológico representado pela luz verde da região do espectro visível, foi analisada para dez compostos fenólicos e os dados revelaram, afinal, que a catequina, a cafeína e determinados ácidos responderam intensamente após se excitarem com luz azul de 405 nanômetros, emitindo energia com intensidade de sinal de 500 nanômetros.

Esses dados de autofluorescência (combinação excitação/emissão de 405/500 nm) foram os que mais contribuíram para discriminar o café verde especial da classe tradicional.

“São espécies químicas associadas a grupos aromáticos que absorvem energia relacionada a um comprimento de onda específico. Assim, em métodos baseados em autofluorescência, essas espécies químicas podem ajudar a discriminar grãos de café especiais e tradicionais devido à variação de concentrações”, declara Gomes.

De acordo com ele, o que diferencia os cafés especiais dos tradicionais são, justamente, as concentrações desses compostos. “No trabalho de mestrado estudamos a composição química das amostras, e, embora não houvesse nenhuma diferença nas espécies químicas presentes, ocorreu variação nas concentrações desses compostos, como, por exemplo, ácidos clorogênicos e cafeína”.

Próximos passos

Os próximos passos, conforme Gomes, implicam conseguir amostras de cada uma das pontuações de cafés especiais da SCAA (o que não é fácil) e classificar os grãos pelas pontuações.

“No Brasil, os cafés têm pontuação no máximo entre 90 e 92, acima dessas pontuações são mais difíceis de encontrar. Café com pontuação 100 somente importado, como é o caso de alguns cafés da Etiópia”, observa.

E ele conclui: “Na tese de doutorado em desenvolvimento, estamos buscando fazer a classificação usando imagens de raios X e aumentando o número de amostras, incluindo as do exterior para conseguirmos ampliar as análises.”

A pesquisa de seleção do café por meio da inteligência artificial teve apoio da FAPESP por meio de dois projetos (17/15220-7 e 18/24029-1). O trabalho teve orientação, a princípio, das professoras Wanessa Melchert Mattos e coorientado por Clíssia Barboza da Silva.


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